quarta-feira, 11 de julho de 2007

Nossos Meios

Nossos Meios

“Os anais da humanidade não mencionam nenhum duelo de nações tão gigantesco como a guerra franco-prussiana; nenhum período da historia é tão fecundo em acontecimentos impressionantes e grandiosos, acumulados em poucos meses.” (Introdução a uma Historia popular da guerra de 1870-71).
... É isso que se pensava em 1871!
Para estimular ardores temerosos, para encorajar forcas em expectativa, para lançá-las ao assalto dos compromissos e dos marasmos democráticos, é necessário mostrar claros os meios que nos foram dados por trabalhos anteriores.
No século XX, o pensamento esta solidário em todos os pontos do mundo; um ato já não é oriundo apenas de poder de um homem; um ato, uma ação, um empreendimento são um emprego ordenado de meios universais; estes resultam do trabalho inumerável de todos.
Colaboração autentica. Um homem é muito pequeno e seu pensamento pode ser medíocre; mas dispõe do instrumental do mundo.
Esse progresso – recente – incha-se a cada dia; soou a hora da ciência (não havia soado, antes do maquinismo). Que sabemos do amanha, a não ser que veremos transformações hoje imprevisíveis, nós que já estamos esbaforidos com essa rápida arrancada de vinte anos. Nossos pais, nossos avos tiveram outra existência e outro meio. Nossa existência atual é anormal, é desequilibrada e nosso meio antagonista é insuportável. Dispomos doravante da colaboração universal para realizar o que o espírito concebe para uma data próxima, prazo irrecusável. Um exemplo entre mil vai explicá-lo.
É uma imensa barragem em construção nos Alpes. Problema técnico simples: paciência e exatidão para determinar os níveis do vale e de suas encostas. Uma multiplicação para cubicar a água do lago artificial que será criado. Um pouco de régua de calculo para resolver algumas formulas relativamente simples. Conclui-se: é preciso erguer uma barragem de tantos metros de comprimento, tantos metros de altura; terá esta espessura na base, aquela no topo, sendo de tanto a pressão sobre a barragem. Um espírito médio pode solucionar esses cálculos: etapa insignificante.
Mas como os totais são esmagadores, a quantidade de concreto que é preciso verter lá é colossal. A barragem se encontra a 2.500 metros de altitude, no limite das neves eternas. Esse vale fica no fim do mundo, longe de todas as estações e de qualquer caminho; ao redor, precipícios e muralhas de rochedos obstruem a estrada. A neve faz todo inverno um colchão de 20 metros de espessura no local apertado onde se erguera a barragem e expulsara os operários ao cabo de cinqüenta meses; as tempestades são as dessas altas altitudes.
Nem um ser humano naquelas paragens, nem uma cabana, exceto a do Clube alpino que abriga no verão os alpinistas. Não há aprovisionamento, não há lenha para aquecer nada.
São essas as condições nas quais vai se operar um milagre.
Eis a lição da barragem:
Na base da barragem esta uma espécie de acampamento de Far West – os alojamentos impecáveis, padronizados, confortáveis, padronizados, limpos como hospitais, onde comem e dormem os operários da barragem.
Lá está também o longo alojamento onde fica o comando da barragem. Sobe-se ao alojamento onde estão os grandes capitães: três senhores muito normais. nós os glorificamos, mas eles, em sua obra: “De jeito nenhum, protestam eles, basta-nos fazer 600 metros cúbicos por dia”; confessamo-lhes nossa emoção; não adianta. Dizemos-lhes: “Como é lindo!” Tomaram-nos por imbecis. Poetas! Ficamos terrivelmente decepcionados.
“Um canteiro de obras deste, dizemos nós, é a premissa grandiosa de tempos próximos. Quando as cidades forem construídas com meios assim... Quando as grandes obras de Paris começarem, com que obra de grandeza é possível sonhar?... etc.” – “Paris, centro de Paris, grandes obras, mas o senhor que então devastar tudo? E a beleza, senhores? O passado, senhores? (Fora, pelas janelas, vemos no céu o Walhall de aço). Tanta organização, dizemos nós, revela a forca de uma época nova e abre a nossos olhos horizontes fascinantes... “Ah, o senhor acha. A jornada de oito horas, os dancings, os cinemas por toda parte, as mocas que não tem mais virtude!...”
E caímos do céu, de asas quebradas. Ficamos realmente abatidos.
Mas não, eis afinal a lição da barragem:
A) Uma régua de calculo. A régua de calculo resolve as equações do universo; a física é à base das obras humanas.
B) Um contramestre meticuloso: levantar-se às 5 horas, apertar a alavanca da oficina das maquinas; começa o rumor; controlar a lubrificação de tudo quanto anda e gira; mudar os comandos à medida que se dá o consumo.
C) Um compilador, em outras palavras um ajudante de cozinha; para fazer uma barragem, são precisos locomotivas de montanha e vagões, teleféricos, torres, um sistema de distribuição do concreto, betoneiras, uma draga. Comandar esses aparelhos.
O grande capitão da barragem, coincidência inteiramente fortuita, é um empresário que conhecemos, faz vinte anos, numa cidadezinha onde ele fazia pequenas casas. Mas notáramos então seus inventários eram espantosamente precisos, que seus canteiros de obras bem pequeninos eram abastecidos com exatidão. Este homem é um desses homens – muito raros – que controlam sempre, com rigor, com precisão, domingo, durante a semana, e que nunca têm uma falha. Um controlador nato. É por nunca ter tido falha, que se tornou, vinte anos depois, o grande capitão da barragem.
Logo: a grande natureza é multiforme, fecunda, ilimitada, mas o homem extrai dela leis simples e as transforma em equações simples. O trabalho humano deve realizar-se na ordem, e somente a ordem permite os grandes trabalhos. Não há necessidade de grandes homens para fazer grandes obras. Foram precisos grandes homens aqui e ali para encontrar as equações da natureza.
Reflitamos, o milagre se explica: o universo colabora hoje. Quando uma coisa, mesmo que pequena como um parafuso, como um gancho, é achado engenhoso, ela suplanta tudo, invade, triunfa. Em toda parte! Não há oceanos, não há fronteiras, não há línguas, não há costumes locais: ela existe. Multiplique o fenômeno, você concluirá: tudo quanto pertence ao progresso, ou seja, ao instrumental humano, se soma como um valor positivo insere-se no total. O progresso sobe. A ciência nos deu a máquina. A máquina nos dá um poder ilimitado. Podemos, por sua vez, fazer milagres naturais.
Temos nas mãos o instrumental que é a soma dos cabedais humanos.
E com esse instrumental, o qual é algo subitamente surgido, subitamente gigantesco, podemos fazer coisas grandes.
Aqueles homens da barragem são unidades banais, como você e eu, especializados em limites muito estreitos.
A barragem é grandiosa.
É porque, se os homens são pequenos e tacanhos, o homem tem em si a potencia do grande.
A dificuldade já não é vertiginosa, subdivide-se indefinidamente, dispõe-se em séries adaptam-se aos indivíduos; a dificuldade permanece na medida de nossos ombros.
Os homens podem ser mesquinhos.
A entidade homem é grande.
A barragem é grande.
Eis o que da ousadia aos nossos sonhos: eles podem ser realizados.
Ter uma idéia, uma concepção, um programa. É isso que é preciso.
Os meios?
Não teremos os meios?
O Barão Haussmann abriu em Paris as mais largas brechas, fez as sangrias mais afrontosas. Parecia que Paris não poderia suportar a cirurgia de Haussmann.
Ora, Paris não vive hoje daquilo que fez esse homem temerário e corajoso?
Seus meios? A pá, a picareta, a carroça, a trolha, o carrinho de Mao, essas armas pueris de todos... Até o maquinismo novo.
É realmente admirável o que Haussmann soube fazer. E, ao destruir o caos, levantou as finanças do Imperador!
... As Câmaras então, em assembléias tumultuadas, apostrofavam esse homem inquietamente. E um dia, nos limites do pavor, acusaram-no de haver criado, em pleno centro de Paris, um deserto! O bulevar Sébastopol (esse tão congestionado que há um ano está-se tentando de tudo: o bastão branco do guarda, o apito, os guardas a cavalo, a sinalização elétrica, óptica sonora!).
Assim é a vida.

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