quarta-feira, 11 de julho de 2007

O Desenho de Estradas e o Desaparecimento da Rua

O Desenho de Estradas e o Desaparecimento da Rua

Desde 1945 o planeamento e a engenharia de estradas expandiram grandemente a paisagem que começara a criar-se nos anos trinta, uma paisagem perdurável e relativamente incaracterística, orientada exclusivamente para as maquinas e para as velocidades das máquinas. As suas formas são tão familiares e vastas que é difícil ter consciência da sua novidade – os adiamentos visíveis nas e das estradas no pós-guerra incluem quase todas as vias rápidas e auto-estradas, inúmeras artérias e estradas alargadas, a maioria das bombas de gasolina, marcações nas estradas, parques de estacionamento proibido e outros sinais de trânsito que têm brotado como azevinho metálico em todos os postes livres.
Um dos mais insinuosos resultados de tudo isso tem sido o desaparecimento da rua. Pode observar-se nas ruas mistas que ainda restam que respondem a uma variedade de necessidades formais e informais da comunidade, incluindo o comercio, desfiles, passeios a pé, acesso ao trafego, manifestações e encontros fortuitos com amigos. Em desenvolvimentos planificados – isso inclui praticamente tudo o que foi construído desde 1945 – não há realmente ruas; foram redesenhadas como um qualquer dos tipos de estradas: coletoras, distribuidoras, principais, secundarias, estradas nacionais, auto-estradas, circulares, estradas de derivação, vias rápidas. Ao mesmo tempo, as zonas e caminhos para peões tem sido construídos para acomodar todas as anteriores atividades e, na verdade, só para estacionamento e para veículos em trânsito.
O aspecto destas novas estradas é, em grande parte, função dos requisitos de engenharia necessários para acomodar diferentes fluxos e velocidades dos automóveis. Quanto maior e mais rápido é o tráfego, mais larga é a estrada. Para cada categoria de estrada – local, coletora, principal, via rápida, etc. - foram desenvolvidos padrões precisos de desenho, ao nível internacional, uma vez que são determinados pelo tamanho e velocidade dos automóveis e caminhões. A largura das vias, as curvas, as inclinações, desenhos de cruzamentos, iluminação, sinais, materiais, barreiras de choque, baseiam-se em previsões seguras. São feitos com materiais universais, betão, asfalto e metal, e, porque tem de ser visíveis a velocidades que atingem os 100 km/h, as suas formas não devem ter quaisquer pormenores que provoquem distração. Existem algumas diferenças regionais no desenho e na paisagem criada; por exemplo, muitas das auto-estradas do sul da Califórnia são ladeadas por vegetação viçosa e tem separadores plantados com flores (estes tem sido apropriadamente descritos como “jardins” intocáveis), mas a maioria dos lugares tem relva aparada, com algumas arvores, e só as matriculas e os topônimos nas placas de direção nos indicam estarmos a conduzir numa via rápida nos arredores de Antuérpia e não em Houston, ou em Melbourne e não em Birmingham.
A construção de novas estradas e a reconstrução de estradas antigas por estes padrões rigidamente aplicados alterou profundamente o aspecto e a forma das cidades. Em pormenor, é muito comum encontrar estradas com a largura padrão, com luzes padrão às distâncias regulamentares, curvas e passeios padronizados que foram impostos na linha de uma estrada mais antiga, sem qualquer consideração aparente pelo desenvolvimento existente.
Em maior escala, a teia de vias rápidas, circuitos internos e circulares, estradas secundarias e estradas interiores urbanas melhoradas criou um novo traçado urbano que o historiador Sam Bass Warner (1972, p. 46) denomina “a roda” – um traçado de estradas radiais e em circunferência que se sobrepôs as formas urbanas existentes e a partir do qual se moldou o novo crescimento. Como intrusões ígneas em rochas sedimentares , estas atravessam o tecido da cidade com as suas texturas paisagísticas distintas. O seu objetivo declarado é aliviar o congestionamento em estradas locais e, ao mesmo tempo, melhorar os acessos dos subúrbios as zonas centrais. A conseqüência é que nos casos mais evidentes – e Bristol e Birmingham, em Inglaterra, são infelizmente bons exemplos – os centros das cidades praticamente desapareceram sob a investida dos melhoramentos e alargamentos das estradas, as áreas de comercio e de escritórios estão cercadas e cortadas por estradas com quatro faixas, os passeios que restaram tiveram de ser separados das estradas por vedações de segurança metálicas e as passagens para peões substituídas por túneis.
A circunferência desta roda de vias rápidas começou, desde aproximadamente 1975, a criar um traçado de novos centros comerciais e industriais, indistintamente denominados “baixas” suburbanas aldeias urbanas, embora não sejam baixas nem muito menos aldeias. Geralmente, estão localizadas em interseções de estradas e consistem em aglomerados de escritórios e fabricas vistosos, motéis (cerca de 150 pequenos edifícios industriais e de escritórios podem manter um hotel com 250 quartos), restaurantes e, talvez, uma artéria comercial, repartições do Estado e apartamentos em condomínio, tudo cercado por fixas ajardinadas e parques de estacionamento que são, em muitos casos, tão grandes em área como a área de implantação dos edifícios. A maioria das grandes áreas metropolitanas tem varias aldeias urbanas mais ou menos bem definidas; por vezes, são fortemente nuclearizadas; outras vezes, estendem-se ao longo das vias rápidas, com os sinais e logotipos das companhias cuidadosamente colocados como cartazes para o tráfego em movimento; uma versão típica destas aldeias encontra-se perto de todos os aeroportos internacionais. São, em parte, uma reação contra a dispersão urbana e uma tentativa de oferecer alguma espécie de fulcro de emprego em áreas suburbanas, em parte produto dos desenvolvimentos em larga escala de companhias, integrando várias utilizações do solo e, em parte ainda, uma resposta as telecomunicações , uma economia de serviços e uma derivação de trafego. Empresas de eletrônica e de processamento de dados, como tatos eletrônicos entre os seus escritórios são, aparentemente, muito comuns. Para os que viajam diariamente para o centro estas aldeias suburbanas são particularmente convenientes porque estão próximas de casa. Contudo, começaram a gerar os seus próprios problemas de trafego. Engarrafamentos de transito nas vias rápidas produzem-se agora não em um, mas nos dois sentidos: de/e para a baixa.
Tentativas para evitar esta espécie de fatalidade para todas as cidades foram feitas no anos sessenta. Na Grã-Bretanha, um importante estudo governamental, o relatório Buchanan, publicado em 1963, propunha acomodar o automóvel através de uma variedade de estratégias, em função das circunstancias locais, em vez de uma capitulação universal através da construção de mais estradas, cada vez mais largas. Por volta da mesma altura, nos Estados Unidos, o urbanista Victor Gruen propôs uma solução diferente – uma via rápida, em circuito fechado, à volta do centro, com facilidades de parqueamento adjacentes, contribuiria para desviar e reunir o trafego e proteger o coração da cidade, que poderia tornar-se uma área principalmente reservada a peões. A idéia especifica de Gruen não foi amplamente adotada; Rochester, no estado de Nova Iorque, deve ser a única cidade a utilizá-la próximo da forma integral, mas desde meados dos anos sessenta tem havido um continuo confronto entre os que defendem maior acesso dos automóveis aos centros das cidades e os que querem impedir esta medida. As vitorias das vozes de protesto podem ser por vezes vistas em vias rápidas que não conduzem a lado algum, como a via rápida Embarcadero, em São Francisco, que termina literalmente entre o céu e a terra, ou a via rápida Spadina, em Toronto, que termina muito antes do seu destino previsto na baixa, que foi rebatizada Allen Road e agora escoa o transito para as ruas locais.
As vitórias dos engenheiros são muito mais evidentes; são visíveis em todas as vias rápidas que penetram, serpenteiam e circundam quase todas as cidades do mundo desenvolvido. Onde quer que fosse possível, estas foram construídas ao longo das linhas de menor resistência – parques, vales de rios, áreas estéreis de baixo valor, ou elevadas em viadutos sobre os telhados dos edifícios antigos. São coisas ambíguas. Observadas em pormenor são quase sempre feias e sujas, tal como os cominhos de ferro que as antecederam; dividem as cidades, separando as zonas industriais das áreas residenciais, ou os guetos pobres das comunidades abastadas. Mas também tornaram abrangível a enorme escala das cidades do século XX, permitindo o acesso rápido a todas as zonas. E criaram uma realidade completamente nova da paisagem urbana, uma realidade formada principalmente por seqüências de canais de betão e visões rápidas de pontos de referencia e de um horizonte dramático de arranha-céus, por vezes vibrantes, a abrir-se à medida que conduzimos na sua direção ou os contornamos. Este ultimo fenômeno é, por vezes, explorado pelos urbanistas. O arquiteto Philip Johnson diz que projetou as torres gêmeas do Pennzoil Building, em Houston, para que a estreita fenda entre elas surgisse aos condutores, no circuito interno da via rápida da cidade, como um breve e mágico clarão de luz.

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